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sexta-feira, 20 de abril de 2012

Nao me abandone jamais (Never let me go) - 2010

 Não me abandone jamais (Never let me go) – 2010, Cor, 103 minutos.

Direção: Mark Romanek.
Roteiro: de Alex Garland, baseado no romance de Kazuo Ishiguro.
Cinematografia: Adam Kimmel.
Trilha Sonora: Rachel Portman.
Elenco original: Carey Mulligan, Andrew Garfield, Keira Knightley.
Lançamento no Brasil: 18 de Março de 2011.













Não me abandone jamais é uma adaptação do diretor Mark Romanek de um romance homônimo, escrito por Kazuo Ishiguro. Neste filme, somos transportados a uma realidade alternativa, na qual, em 1950, a técnica de clonagem já foi completamente dominada e a humanidade teria encontrado a cura para todas as doenças, superando a expectativa de vida de 100 anos. Essa utopia acaba se revelando, na verdade, uma realidade distópica à medida em que nos é permitido saber por quais meios a medicina alcançou esse “milagre”.

Somos então levados a acompanhar a rotina de Kathy (Carey Mulligan), Tommy (Andrew Garfield) e Ruth (Keira Knightley), estudantes de um rígido internato inglês. Nele, as crianças são tratadas com uma atenção severa e um monitoramento constante, incentivadas a praticar esportes, encenar interação social através de peças, e produzir arte. Através do discursos diários, proferidos pela diretora Emily (uma ótima atuação de Charlotte Rampling) elas são convencidas de que são crianças especiais.



O roteiro de Alex Garland entrega, entretanto, elementos para pensarmos o contrário. As crianças não exibem dotes especiais, como uma inteligência superior, ou força física, nem mesmo possuem aptidão sobrecomum para a arte. Logo percebemos  que o internato não é um espaço de ensino, e sim de alienação: um lugar onde as crianças são preparadas, moldadas para cumprir seu "papel" social. Numa cena de particular força e simbolismo, uma professora inquire um aluno sobre o motivo de este, ao jogar beisebol com amigos, não apanhar a bola que caiu para além dos limites da escola. Obtém como resposta dos estudantes estórias mirabolantes sobre a morte dos que violaram essa fronteira, contadas com convicção assustadora. Essa crença absoluta nos valores ensinados pela instituição as prepara para aceitar o destino que lhes será posteriormente revelado.

 Num rompante de inconformismo com a postura mantida no lugar, uma professora recém contratada quebra o silêncio e expõe às crianças o verdadeiro caráter de sua existência “especial”: eles não teriam uma vida própria, nem um destino comum. Sequer chegariam a viver plenamente a maturidade. Seriam apenas clones, repositores de órgãos para as pessoas “reais”. A seu tempo, pouco após atingirem a fase adulta, seria submetidos a ciclos cirúrgicos nos quais, gradativamente, teriam seus órgãos retirados e dispostos para o benefício de outros. Essa ação, institucionalizada, legalizada, era denominada doação.

Esse contexto que pode parecer bizarro ao leitor, é no filme, entretanto, mostrado com naturalidade, o que favorece a criação de uma atmosfera de desolação do espectador frente ao conformismo dos personagens. Contudo a escolha de ter criado, dentro de um contexto tão rico para análise política e econômica, uma triste história de amor talvez desperte polêmica: Kathy, ainda no internato, se apaixona por Tommy mas não revela publicamente seu sentimento. Sua companheira de internato Ruth, no entanto, ao perceber o interesse da amiga, investe sobre Tommy e engata um relacionamento que se mantém mesmo quando alcançam a idade adulta, e deixam o internato.



No breve espaço de tempo antes das doações, Kathy tem que conviver diariamente com o romance entre Tommy e sua amiga. Frente à impossibilidade de viver seu amor, ela decide se tornar assistente nas doações de outros clones, conseguindo adiar a sua própria por um tempo. Por obra do acaso, Kathy volta a reencontrar seus amigos, e por intermédio de uma arrependida Ruth, consegue viver por um curto período de tempo o amor negado anteriormente. Após perder Tommy em sua terceira doação, e descobrir que em breve ela iniciará seu ciclo, Kathy entrega uma reflexão bastante humanista, senão socialista: “será que as pessoas a quem servimos não passam pelos mesmos problemas que nós?”. A incompletude, incapacidade de plena realização frente ao tempo finito que nos resta  é o nível que nos iguala, é o que nos une na condição humana, independente da nossa posição na cadeia alimentar social.



Quanto aos aspectos técnicos, a fotografia consiste basicamente em planos abertos de paisagens, na maioria das vezes vazias, campos com poucas árvores, ruas e praias desertas, compondo o ambiente de desolação e simbolizando o apartamento social dos personagens. A elegante trilha sonora de Rachel Portman é igualmente eficiente, complementando as imagens de um filme que nos seus momentos principais evoca uma tristeza que angustia, sem cair no melodrama. A atuação de destaque sem dúvida é a de Carey Mulligan e sua Kathy, que entrega em seu olhar perdido, tanto a conformação quanto a curiosidade, a vontade de achar o significado para sua existência num contexto tão opressor. 

Apesar do poder dos temas abordados, o que mais me deixou perplexo sobre esta ficção científica foi sua diferença em relação às distopias produzidas durante as décadas de 80, 90. Enquanto obras como Brazil (1985) usavam apenas indícios presentes na realidade do período como matéria prima para a ficção, projetando um futuro caótico, geralmente uma versão exagerada da realidade, em Não me abandone jamais não há nada que seja improvável.  Suas analogias remetem a situações bem reais, bem calcadas no nosso presente: em que nível as crianças do internato diferem daquelas dos países pobres, vítimas de sequestro, ou vendidas para o tráfico de órgãos?  Nos países em que a vida vale pouco frente à demanda do capital, pessoas são exploradas, mutiladas, e repostas pelo estoque de mão de obra barata, formado por... outras pessoas.

Mark Romanek - Diretor

A imposição do capital sobre a ética e a moralidade já está acontecendo, e quando estamos muito alienados sobre nossa realidade é bom encontrar uma fantasia engajada que nos reapresente a ela, nos ajude a reconciliar, nos faça re-conhecer.


8 comentários:

O filme é um trabalho impecável, mas acho que faltou emoção. Enfim, talvez fosse a proposta do cineasta, mas me pareceu tudo muito frio. Preciso rever, é um filme bem interessante.

Eu acho que essa falta de emoção é realmente intencional, Fábio. Essa frieza de alguma forma vem do tratamento cru que ele utiliza pra nos chocar, como se tudo aquilo fosse apenas uma fantasia ruim, até nos darmos conta de que é mais real do que imaginamos... Eu revi anteontem, e ele não perdeu a força.

Não é o meu gênero predileto, mas devo admitir que o filme é bem feito. Adoro cada vez mais a Carey Mulligan e espero que ela um dia ganhe um Oscar.

Abraço!
Ótimo texto.

Valeu Rodrigo! Eu particularmente não me importo muito com o gênero, contanto que seja bem feito. Eu concordo plenamente com você, a Carey merece ser contemplada com um homenzinho dourado. Abração, e obrigado pelo elogio!!

Eu me apaixonei na primeira vez que vi Não Me Abandone Jamais. É um filme inteiramente reflexivo e bastante doloroso. Eu não consegui conter as lágrimas em algumas partes. Sobre a reflexão, você fez muito bem no teu texto, em levantar a questão do tráfico de órgãos e em trazer essa questão da humanidade. Abraços!

Eu fiquei com a cabeça pesada depois de assistir pois realmente te deixa pensando em tanta coisa... Eu quase choro, fiquei por um triz no final. Obrigado pelo elogio Gabriel, agradeço por estar acompanhando o blog e comentando a cada post. Abração, volta sempre!

Menino,
que blog delicioso de ler!
Amei o layout, caixinhas do Twitter, seus links e os textos!
Tu escreve muito bem.
Continue me visitando ein?
beijos

Obrigado Patrícia! Vou visitar sim, está nos meus favoritos. Espero também que esteja sempre por aqui. Bjão, muito, muito bem-vinda seja!

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